Mil bailes e um ator-produtor, por Cavi Borges

BAILE SOUL abre a Mostra de Cinema de Ouro Preto

A cena soul das Zonas Norte e Oeste e dos subúrbios cariocas nos anos 1970 já tinha sido vasculhada recentemente pelo documentário Trem do Soul, de Clementino Júnior. Agora nos chega outro cativante dossiê sobre aquele momento, centrado especificamente nos bailes que proliferaram em clubes naquela época. Era onde a galera negra de comunidades e periferia “caíam dentro” para se divertir enquanto a ditadura dava as cartas no país.

Baile Soul é dirigido pelo incansável Cavi Borges e põe em destaque a formação de uma consciência antirracista entre os blacks do Rio. Para isso o filme abre com uma performance de Antonio Pitanga em Jardim de Guerra, de Neville d’Almeida, e um pequeno painel das lutas negras nos EUA, de onde vinha a seiva que alimentou a turma do soul por aqui.

O resto é uma historiografia sintética do movimento, que passa por James Brown, o DJ pioneiro Big Boy e seus Bailes da Pesada, os bailes hi-fi e a crescente profissionalização do métier. Até chegarem na gravação de discos e na formação de grupos e equipes muito famosos como o Furacão 2000, o Cashbox e a Banda Black Rio. Bambas do soul como Dom Filó e DJ Corello, mais o apresentador e ativista Carlos Alberto Medeiros são alguns dos que trazem memórias e considerações sobre o papel dos bailes na vida social dos cultores do soul.

Mesmo se expondo a críticas dos anti-imperialistas por adotarem ritmos e signos estadunidenses, os promotores e frequentadores sabiam da importância do soul para a auto-estima dos negros. E isso passava também pelos cuidados com o cabelo black power, com as roupas estilosas e os sapatos de vários andares. O background cultural abrangia os filmes de blaxploitation, como Shaft, e os festivais de música negra como Wattstax.

Para a polícia da ditadura, os bailes soul eram um laboratório de discriminação racial, boa desculpa para a perseguição à população negra e periférica. Os bailes faziam os negros convergirem para os mesmos lugares e o mesmo orgulho, e isso era “perigoso”. Baile Soul nos dá um retrato vívido, divertido e político daquela paisagem.



OTÁVIO III – O IMPERADOR passa dia 29/6 no Festival Ecrã, no Rio         

Otávio III diante de painel de Fábio Fernando

Em mais um de seus tributos a artistas veteranos, Cavi Borges está estreando no Festival In-Edit um documentário sobre Otávio III, ator e produtor musical morto em 2020. Quando o filme começou a ser feito, Otávio estava vivo e participou lendo trechos do Fausto de Goethe, assistindo a cenas de filmes dos quais participou e reverenciando estátuas de velhos amigos nas ruas do Rio: Pixinguinha, Dorival Caymmi e Tom Jobim. Conta, aliás, que foi ele quem estimulou Jobim a cantar.

Desfiava lembranças também de Roberto Carlos, que ele lançou na televisão em fins da década de 1950, Geraldo Vandré, Hugo Carvana e João Gilberto, de quem foi fiel escudeiro por muitos anos. Até então, é o próprio Otávio quem se narra no documentário, à sua maneira vaidosa e cerimoniosa ao mesmo tempo.

Eis que de súbito o filme é interrompido para mudar de estratégia. Otávio sofre um AVC e vem a falecer. É preciso encontrar uma forma de seguir contando sua história. Especialmente a história do ator em filmes de Rogério Sganzerla, Ricardo Miranda, Julio Bressane, Paulo César Saraceni, Walter Lima Jr., Luiz Rosemberg Filho e Felipe Cataldo (Benjamim Zambraia e o Autopanóptico).

Otávio era um ator característico, que costumava ser escalado mais por sua personalidade expansiva do que por algum talento muito especial. Sérgio Ricardo, num encontro com ele filmado por Cavi, garante que a simples presença de Otávio fazia bem aos seus sets de filmagem.

O filme de Cavi Borges é um retrato ligeiro, mas que cumpre a missão de jogar luz sobre uma figura que, nos últimos tempos, permaneceu um tanto na obscuridade fora de um círculo relativamente estreito.

 

3 comentários sobre “Mil bailes e um ator-produtor, por Cavi Borges

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  3. TEXTO sensacional! Sempre uma experiência enriquecedora e transformadora ler seus textos! OBRIGADA

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